Efeito da temperatura na performance do ciclismo

Por que o calor impacta tanto na performance?

Assunto que considero prioridade para nós ciclistas brasileiros, especialmente do NE, que treinamos o ano inteiro em temperaturas acima dos 30 graus.

Primeiro explicarei as razões da perda de performance em decorrência do calor excessivo – em seguida trarei estratégias para driblar os efeitos dessa condição.

O corpo humano foi feito para trabalhar com uma margem bem estreita de temperatura, especificamente de 37 a 39.5 graus Celsius. Quando nos exercitamos, geramos mais calor através das reações químicas ocorridas nos músculos e o sangue que flui por eles naturalmente irá se aquecer. Essa reação fará a temperatura corporal aumentar, então se o corpo não está sendo suficientemente resfriado por uma fonte externa (ex. temperatura e vento em 15º C.), o sangue começará a fluir para a pele visando dissipar o calor (conhece alguém que fica com o rosto vermelho quando faz exercícios?) e a produção de suor irá aumentar. Além disso, entra em ação o sistema nervoso, o qual irá monitorar tudo e acionará o “modo de segurança”, evitando que ultrapassemos os limites de temperatura, nos protegendo de causar dano permanente ao cérebro e aos órgãos internos. Se, entretanto, a temperatura ultrapassar estes patamares, entramos em um quadro de insolação e o corpo irá promover ajustes para se proteger.

Assim, a redução na performance ocorre porque quando a temperatura interna sobe, o sangue é redirecionado, deixando de ir para os músculos ativos e sendo utilizado para atuar na regulação da temperatura, principalmente para a superfície perto da pele visando dissipar o calor. O suor excessivo também nos retira performance, pois além de água, perdemos sais e minerais importantes para as reações químicas do organismo. Mesmo repondo líquidos e eletrólitos, teremos que acionar o sistema digestório para colocar tudo em ordem novamente, o que vai demandar mais energia nesse processo. Energia esta que está sendo extremamente demandada pelos músculos naquele momento de treino/competição será redirecionada para manutenção da temperatura.

Não funcionamos como um motor a combustão – aqui o combustível é usado para a produção de potência no motor e um sistema externo de regulação de temperatura (via líquido) entra em ação para manter tudo na temperatura ideal. Nós usamos combustível (sangue) para produzir potência E para nos resfriar.

Assim, quanto mais soubermos contornar esta variável da temperatura extrema, mais fluxo sanguíneo estará disponível para os músculos ativos e acarretará menos perda de performance.

Quando nos deparamos com um quadro de temperatura excessiva e ultrapassamos os patamares de segurança, o corpo irá trabalhar exclusivamente para manutenção da temperatura corporal. A produção de suor aumentar e o sistema nervoso entra em ação protegendo os atletas a forçarem demais e causarem dano permanente no cérebro e em órgãos internos.

Dessa forma, o corpo de fato tem apenas duas estratégias para lidar com o calor: aumentando o efeito de resfriamento evaporativo (via suor) e limitando a intensidade que o atleta aplica. Com treinamento de aclimatação, atletas podem aumentar dramaticamente estes dois aspectos para melhorarem a performance em calor extremo. 

É também de extrema importância adaptar a intensidade em dias quentes e ser altamente vigilante em repor os fluidos e eletrólitos perdidos. Durante o exercício, consumir fluidos com eletrólitos numa taxa similar a da sua perda é benéfico e essencial para atividades com mais de 90min de duração.

Existem estratégias que o atleta pode utilizar para ajudar a reduzir a temperatura corporal e, consequentemente, melhorar a performance. Vamos lá:

  1. Utilizar equipamentos que priorizem a ventilação e troca de calor – ex. um capacete aerodinâmico vai te poupar alguns watts em resistência ao vento, porém por ter menos entradas de ar, aumenta a temperatura na cabeça, o que pode gerar um efeito mais negativo do que positivo. Este é um dos motivos que não se usa este tipo de capacete no mountain bike. Outro ponto é a qualidade das roupas utilizadas: escolha aquelas que tenham tecnologia de controle de temperatura, melhorando a troca de calor através da rápida evaporação do suor – roupas que ficam encharcadas não são boas neste ponto. Fique atento a meias, sapatilhas, luvas – sempre procure o que seja mais “respirável”.
  2. Resfriamento ativo – o corpo é dividido em cabeça, tronco e membros. Uma estratégia muito utilizada pelos ciclistas mundo afora é jogar água no corpo para reduzir a temperatura. É uma técnica muito efetiva, porém pode ser contra produtiva se mal utilizada. Não se deve jogar água nas pernas, pois o choque térmico causa vasoconstrição, quadro que não se quer que ocorra no local onde você está produzindo potência para movimentar a bike. Então restam duas áreas para resfriar: a cabeça e o tronco: qual escolher? O tronco. Pesquisas mostram que o efeito para resfriamento na cabeça tem mais efeito psicológico do que físico, pois tem menos superfície de contato e grande parte do líquido utilizado é perdido. Já no tronco, como se tem uma superfície de contato maior, gera mais efeito de resfriamento pela evaporação através do contato com o vento, então despeje a água a partir da parte de trás do pescoço para que ela vá escorrendo pelo tronco.
  3. Pacing – administrar o ritmo é determinante para ter uma boa eficiência no controle de temperatura. Lembre-se de que quanto maior a intensidade, maior o calor gerado pelo organismo. Então, quanto melhor distribuída a potência ao longo do percurso, evitando picos desnecessários de alta intensidade, melhor será a administração da temperatura corporal.

Sua estrada ainda não acabou

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